Depois de largo tempo auscultando os enigmas da própria alma, ele rendia-se, não às lágrimas serenas, filhas da sensibilidade comovida, mas ao pranto convulso, vizinho do desespero... A brisa suave, em correntes refrigerantes, penetrava pela janela aberta, como se buscasse afagar-lhe a cabeça dolorida... Agora, todavia, alheava-se dos encantos da Natureza.
Apesar da multidão dos amigos, ele sentia-se abandonado, sem ninguém... A presença daquela a quem ele destina seu amor seria provavelmente a única força capaz de restituir-lhe a sensação de plenitude.
Ah! como necessitava, naquele instante, de uma palavra que o arrebatasse ao torvelinho de angústia!
Relegado a si mesmo, na solidão do quarto, soluçava com a cabeça dobrada sobre os joelhos, quando notou que leves mão lhe pousavam nos ombros recurvos:
- Meu filho porque desanimas, quando a luta apenas começa? Reergue-te para o trabalho. Fomos chamados para servir. Divino é o amor das almas, laço eterno a ligar-nos uns aos outros para a imortalidade triunfante, mas que será desse dom celeste se não soubermos renunciar? O coração incapaz de ceder em benefício da felicidade alheia, é semente seca que não produz.
- Todos somos filhos do Criador. Não reclamemos daquilo que não nos pode ser dado. Ninguém se faz amado através da exigência. Dá tudo! Aqueles que desejamos ajudar ou salvar nem sempre conseguem compreender, de pronto, o sentido de nossas palavras, mas podem ser inclinados e arrastados à renovação por nossos atos e exemplos. Em muitas ocasiões, na Terra, somos esquecidos e humilhados por aqueles a quem nos devotamos, mas se soubermos perseverar na abnegação, acendemos no próprio espírito o abençoado lume com o que lhes clarearemos a estrada além do sepulcro... Tudo passa no mundo... Os gritos da mocidade menos construtiva transformam-se em música de meditação na velhice! Amparemos os que são nossos irmãos na Eternidade, mas não te proponhas a escravizar quem quer que seja ao seu modo de ser! Monstruosa seria a árvore que se pusesse a devorar o próprio fruto; condenável seria a fonte que tragasse as próprias águas! Os que amam, sustentam a vida e nela transitam como heróis, mas os que desejam ser amados não passam muitas vezes de tiranos cruéis... Levanta-te! Ainda não sorveste todo o cálice. Além disso, a igreja, a casa de Jesus, a nossa casa, espera por ti... Os que lhes batem à porta, consternados e desiludidos, são nossos familiares igualmente... Esses velhos desamparados que nos procuram tiveram pessoas que lhes dilaceraram o coração... Esses doentes que apelam para a nossa capacidade de auxiliar conheceram, de perto, a meninice e a graça, a beleza e a juventude!... Nossas dores, meu amigo, não são únicas. E o sofrimento é forja purificadora, onde perdemos o peso das paixões inferiores, a fim de nos alçarmos à vida mais alta... Quase sempre é na câmara escura da adversidade que percebemos o raio da Inspiração Divina, porque a saciedade terrestre costuma anestesiar-nos o espírito...
- Amigo, procure-a, com a lâmpada acesa do amor, nos desamparados, e o Senhor abençoar-te-á, convertendo-te a amargura em paz do coração... Ergue-te e aguarda de pé a luta dentro da qual orientarás àqueles que mais amas...
- Não te rendas ao sopro frio do infortúnio, nem creias do poder do cansaço... Que seria de nós se Jesus, entediado de nossos erros, se entregasse à fadiga inútil? Ainda que o corpo se recolha às transformações da morte, mantém-te firme na fé e no otimismo... O túmulo é penetração na luz de novo dia para quantos atravessam a noite com a visão da esperança e do trabalho.
- Filho, não aguardes, por agora, senão renúncia e sacrifício... Jesus até hoje não foi compreendido, mesmo por muitos que se dizem seus seguidores. Auxilia, perdoa e espera!... As vitórias sublimes do espírito brilham além da carne.
Ele então osculou-lhe os cabelos, na atitude de um pai que se despede de um filhinho, antes de adormecer, e, recuando até a saída, dirigiu-lhe um comovedor adeus. Lá fora, a noite esmaltada de estrelas embalava-se de brisas suaves e refrescantes.
Aquietou-se então o combalido no leito, com uma sensação de paz somente compreensível por aqueles que vencem em si mesmo os grandes combates do coração.
* Extraído e adaptado da obra de Emannuel, Ave Cristo, pags. 132 a 135.