terça-feira, 23 de novembro de 2010

Por que Desanimas?*







Depois de largo tempo auscultando os enigmas da própria alma, ele rendia-se, não às lágrimas serenas, filhas da sensibilidade comovida, mas ao pranto convulso, vizinho do desespero... A brisa suave, em correntes refrigerantes, penetrava pela janela aberta, como se buscasse afagar-lhe a cabeça dolorida... Agora, todavia, alheava-se dos encantos da Natureza.



Apesar da multidão dos amigos, ele sentia-se abandonado, sem ninguém... A presença daquela a quem ele destina seu amor seria provavelmente a única força capaz de restituir-lhe a sensação de plenitude.



Ah! como necessitava, naquele instante, de uma palavra que o arrebatasse ao torvelinho de angústia!



Relegado a si mesmo, na solidão do quarto, soluçava com a cabeça dobrada sobre os joelhos, quando notou que leves mão lhe pousavam nos ombros recurvos:



- Meu filho porque desanimas, quando a luta apenas começa? Reergue-te para o trabalho. Fomos chamados para servir. Divino é o amor das almas, laço eterno a ligar-nos uns aos outros para a imortalidade triunfante, mas que será desse dom celeste se não soubermos renunciar? O coração incapaz de ceder em benefício da felicidade alheia, é semente seca que não produz.



- Todos somos filhos do Criador. Não reclamemos daquilo que não nos pode ser dado. Ninguém se faz amado através da exigência. Dá tudo! Aqueles que desejamos ajudar ou salvar nem sempre conseguem compreender, de pronto, o sentido de nossas palavras, mas podem ser inclinados e arrastados à renovação por nossos atos e exemplos. Em muitas ocasiões, na Terra, somos esquecidos e humilhados por aqueles a quem nos devotamos, mas se soubermos perseverar na abnegação, acendemos no próprio espírito o abençoado lume com o que lhes clarearemos a estrada além do sepulcro... Tudo passa no mundo... Os gritos da mocidade menos construtiva transformam-se em música de meditação na velhice! Amparemos os que são nossos irmãos na Eternidade, mas não te proponhas a escravizar quem quer que seja ao seu modo de ser! Monstruosa seria a árvore que se pusesse a devorar o próprio fruto; condenável seria a fonte que tragasse as próprias águas! Os que amam, sustentam a vida e nela transitam como heróis, mas os que desejam ser amados não passam muitas vezes de tiranos cruéis... Levanta-te! Ainda não sorveste todo o cálice. Além disso, a igreja, a casa de Jesus, a nossa casa, espera por ti... Os que lhes batem à porta, consternados e desiludidos, são nossos familiares igualmente... Esses velhos desamparados que nos procuram tiveram pessoas que lhes dilaceraram o coração... Esses doentes que apelam para a nossa capacidade de auxiliar conheceram, de perto, a meninice e a graça, a beleza e a juventude!... Nossas dores, meu amigo, não são únicas. E o sofrimento é forja purificadora, onde perdemos o peso das paixões inferiores, a fim de nos alçarmos à vida mais alta... Quase sempre é na câmara escura da adversidade que percebemos o raio da Inspiração Divina, porque a saciedade terrestre costuma anestesiar-nos o espírito...



- Amigo, procure-a, com a lâmpada acesa do amor, nos desamparados, e o Senhor abençoar-te-á, convertendo-te a amargura em paz do coração... Ergue-te e aguarda de pé a luta dentro da qual orientarás àqueles que mais amas...



- Não te rendas ao sopro frio do infortúnio, nem creias do poder do cansaço... Que seria de nós se Jesus, entediado de nossos erros, se entregasse à fadiga inútil? Ainda que o corpo se recolha às transformações da morte, mantém-te firme na fé e no otimismo... O túmulo é penetração na luz de novo dia para quantos atravessam a noite com a visão da esperança e do trabalho.



- Filho, não aguardes, por agora, senão renúncia e sacrifício... Jesus até hoje não foi compreendido, mesmo por muitos que se dizem seus seguidores. Auxilia, perdoa e espera!... As vitórias sublimes do espírito brilham além da carne.



Ele então osculou-lhe os cabelos, na atitude de um pai que se despede de um filhinho, antes de adormecer, e, recuando até a saída, dirigiu-lhe um comovedor adeus. Lá fora, a noite esmaltada de estrelas embalava-se de brisas suaves e refrescantes.



Aquietou-se então o combalido no leito, com uma sensação de paz somente compreensível por aqueles que vencem em si mesmo os grandes combates do coração.



* Extraído e adaptado da obra de Emannuel, Ave Cristo, pags. 132 a 135.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Visita Interior


Há alguns dias a dor vem nos visitando mais amiúde, fazendo verter lágrima dos olhos, oprimindo o peito, aflorando à consciência a necessidade de obediência, resignação, devotamento, abnegação...


Compulsando o nosso íntimo, acabamos por conservar nosso olhar e nossa autopiedade sobre o nosso orgulho ferido, nossa vaidade arranhada e nosso egoísmo arraigado. Nossa indigência moral frequentemente nos compele a considerar preferencialmente nossos interesses mesquinhos em detrimento do aprendizado edificante.


A dor é processo salutar, quando mesmo diante de nossas pujantes fraquezas, de nossa incompreensão e do nosso embotado entendimento, rogamos o discernimento necessário para entendermos da vida da a lição que nos é ofertada.


Se nada é por acaso, tudo é Providência.



Se a felicidade não é deste mundo, então o que nos resta?
Em verdade a grande maioria de nós deposita a esperança de felicidade e satisfação imediata (porém efêmera) nos nossos sentidos e nossas paixões, defeltindo para segundo plano as buscas concernentes às coisas do espírito que é o herdeiro das coisas imorredouras e perenes.


Socorremo-nos quase sempre das profilaxias de efeito instantâneo sem antes nos perguntarmos qual a origem do mal que nos aflige. O tratamento investigativo preventivo sobre a origem dos males que assolam o organismo humano, é preterido em detrimento do processo terapêutico alopático especialmente em função da sua atuação imediata. Mas o ponto é que, devido à resistência desenvolvida pelo uso reiterado das mesmas drogas, as disfunções tem apresentado cada vez maiores períodos de prevalência e casos de recorrência.



Da mesma forma se dá no campo da moral.



Por efeito da Lei de Ação e Reação é que atraímos para as nossas vidas as vicissitudes que nos cingem, uma vez que todos os maus atos tem consequências invariavelmente desastrosas, instalando quadros que somente são atenuados em decorrência da Lei de Amor. E assim sendo, sem examinarmos mais detidamente as causas das chagas morais das quais estamos acometidos, usando a alopatia efêmera do tratamento apriorístico, acabamos arrastados para as mesmas condutas delituosas, viciosas, que reiteradamente temos praticado.



Como é comum nos flagrarmos repetindo as nossas condutas equivocadas em consequência de não primarmos pela Oração e Vigilância tão recomendada... É frequente também buscarmos os alívio de nossas dores nas diversas viciações de que o mundo dispõe, quando nos é oferecida a advertência de " não busqueis alhures a consolação porque o mundo é impotente para dá-la". E a consequência disso: aumentamos substancialmente as nossas dores, não curamos nossas chagas e ainda nossas mazelas nos são cada vez mais recorrentes.



Dói... dói muito... e só quem sente é que consegue mensurar a sua dor...



Mas toda dor é indício de sensibilidade. E quando a sensibilidade aflora é sinal de que se bem observarmos, poderemos tomar a resolução adequada para suprimir a causa daquela sensibilidade. São os sintomas da moléstia que indicam fórmula para tratar as circunstâncias que a estão ocasionando.



Então busquemos as fontes de nossas dores, nossas mazelas, nossas chagas. Observemos os sintomas de nossas moléstias para dar-lhes tratamento eficaz, procurando evitar-lhes a recorrência e a prevalência, porque mesmo tendo dito o Cristo que os sãos não tem necessidade de médico - ao que se colocou como médico das almas imperfeitas - disse Ele ainda: "ide e não peques mais".



A Paz seja conosco.